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10 de maio de 2015 Ops! Boaventura chegou…

Uma boa aventura…

Vicente Estevam
Repórter da tribuna do norteUm rejeitado que virou herói. O que parece tema do enredo de um filme ou uma novela, foi vivido pelo zagueiro Flávio Boaventura, que conseguiu transformar rejeição em motivação. O atleta atuando na final do Campeonato Estadual contra o ABC, acabou gravando seu nome de forma definitiva na história do América, como autor do gol que garantiu ao clube o título potiguar no ano do centenário. Assim o jogador conseguiu superar o clima hostil no seio da torcida americana e espera ter mais tranquilidade para desempenhar o seu trabalho. Hoje ele já não é vaiado todas as vezes que pega na bola e, as vezes, acontece até de ser aplaudido pela raça demonstrada em campo. O zagueiro disse entender a ira de certa parte da torcida, até por que fez uma brincadeira infeliz com um amigo  torcedor do alvirrubro, num momento muito delicado. Acreditando que tudo esteja superado, ele que revelou ter sentido receio das ameaças já trouxe a família para morar em Natal novamente e torce por novos momentos felizes dentro do alvirrubro. Boaventura disse também que a final do Campeonato Estadual deixou uma lição: a soberba nunca vence o trabalho e o sacrifício.

Adriano AbreuFlávio Boaventura revela como foi superar as desconfianças da própria torcida parasse tornar em herói da conquista centenária no clubeFlávio Boaventura revela como foi superar as desconfianças da própria torcida parasse tornar em herói da conquista centenária no clube

Você chegou a sonhar com uma final de campeonato tão perfeita?
Na verdade a gente sonha apenas coisas boas, mas  marcar o gol que garantiu o título do centenário não chegou a passar pela minha cabeça. O que eu imaginava era chegar no América e inverter toda aquela situação que vinha gerando protestos da torcida. Fui mostrando nos jogos, quando procurava dar o máximo de empenho, que estava com vontade de acertar e no final, o gol do centenário talvez tenha vindo como prêmio por todo esse esforço.

Além de sair como herói, você foi eleito por unanimidade o melhor zagueiro do campeonato. Isso estava no seu projeto?
Na verdade estar entre os melhores do campeonato foi uma meta que eu tracei quando cheguei. Joguei aqui 2012 e 2013 pelo ABC, não consegui esse objetivo pois eu era muito imaturo ainda e acabei sendo muito expulso. Realmente eu sonhava em fazer parte da seleção do campeonato, mas não da forma que fui eleito. Pela minha situação isso era complicado, uma vez que parte da torcida vinha me repudiando.

Você chegou dentro de um grupo praticamente formado, com dois bons zagueiros. Isso não te fez pensar duas vezes antes de aceitar a proposta?
Quando fui convidado para vir para o América, a diretoria me passou que iria reformular o time, mas Edson Rocha e Cléber iriam ficar. Cheguei muito desconfiado, até por que tinha jogado dois anos pelo ABC e conhecia a qualidade deles. Isso inicialmente gerou um quadro de desconfiança, existia um ar tenso nos vestiários, ainda devido aquela brincadeira que eu fiz por ocasião da queda do América para série C. Porém, como eu já havia jogado com Edson Rocha em 2011 e ele se dava muito bem com Cléber, nós fomos nos entrosando e o ambiente hoje é muito bom. Como formamos dupla de zaga nos jogos da final, eu e o Clebão conversamos bastante e nos entrosamos ainda mais.

O que você fez para causar tanta ira da torcida e por parte de alguns atletas?
Isso tudo ocorreu por imaturidade e por desconhecimento da grandeza do América. Quando jogava pelo ABC só conhecia o lado de lá, para mim eles eram a melhor equipe, o maior clube. O melhor tudo. Confesso que me deixei envolver pela empolgação dos torcedores, ouvia muitos deles falando mal do América também e isso ficou na minha cabeça. Então quando houve o rebaixamento, eu tinha um amigo que era americano fanático e fiz aquela brincadeira com ele, tirando uma foto segurando um cartaz escrito abc e com a letra C em vermelho. Isso viralizou nas redes sociais e gerou uma onda muito grande revolta numa parte da torcida americana. Posso dizer até na maior parte. Foi uma brincadeira muito infeliz da minha parte, confesso.

Mas você estava aonde quando decidiu fazer essa brincadeira?
Eu ainda estava em Portugal, onde conseguia acompanhar a disputa da série B. Fiz essa brincadeira no WhatsApp no particular esse meu amigo e não sei como vazou. Isso espalhou rápido pelas redes sociais e o resultado foi esse. O meu amigo é muito fanático pelo América e como enviei isso logo que acabou o jogo que decretou o rebaixamento, acho que ele pode ter feito isso por revolta. Mas hoje já está tudo bem de novo, ele inclusive me mandou uma mensagem de felicitações pelo título do centenário.

Qual a fase você considerou mais difícil dentro do América?
Foi quando saímos da Copa do Nordeste. Nossos planos eram de ir o mais longe possível na competição, chegando até a disputa do título, e também ser campeão estadual. Quando a gente foi eliminado bateu aquela agonia, considerada normal, até pela forma que foi, pois perdemos quatro jogos para o Vitória. Bateu a tristeza, mas conseguimos superar e não nos deixamos abater a ponto de atrapalhar nossa campanha dentro do Estadual.

Aqueles jogos iniciais, quando a torcida vaiava você a qualquer toque na bola, como foi?
Aquilo me motivava. Eu conversava com minha esposa e sabia que se fizesse algo errado ou time perdesse numa falha minha, o mundo iria desabar sobre minha cabeça.  Mas estava preparado para isso e acabei ganhando mais força, tendo mais convicção das coisas importantes para fazer a coisa certa e tentar reverter a situação que era extremamente contrária. Quando eu pegava na bola que a torcida vaiava, no começo, eu procurava não segurar muito a bola. Pegava e tocava rápido até para evitar o desgaste. Mas quando fui ganhando a confiança dos torcedores e percebi que as vaias foram diminuindo, as coisas fluíram, até gol consegui marcar, a desconfiança diminuiu e ficou mais fácil jogar. Mas certamente eu consegui transformar a rejeição em motivação.

É verdade que você com receio de sofrer algum tipo de violência, optou por não deixar a esposa em Natal?
Quando saiu uma lista de reforços e meu nome estava no meio, imediatamente minhas páginas nas redes sociais foram invadidas por torcedores que realizaram ameças de todos os tipos se eu pisasse no América. Eles diziam que eu não seria homem para vestir a camisa do América, que se me encontrasse na rua ou a minha esposa iriam agredir… Então combinei de vir sozinho para Natal e se o clima fosse ficando favorável depois ela viria. Logo, cheguei com a intenção de avaliar a situação e se não desse certo, como haviam outros clubes interessados, eu poderia deixar o América. Ela topou, as coisas estavam bem complicadas, e ela foi de Portugal direto para São Paulo. Quando a situação melhorou e já sentia confiança, ela veio morar em Natal.

O problema você acha que já foi superado.
Completamente não. Ainda tem alguns torcedores que guardam essa mágoa, mas acredito que 90%da torcida já esqueceu o ocorrido. Eles me aceitaram e isso está me deixando muito feliz.

Mas o gol do título você não acha que foi suficiente para inverter completamente essa espécie de rejeição?
Ainda tem os torcedores mais críticos e rancorosos. Eu não posso fazer nada por eles, apenas continuar desempenhando meu trabalho dentro de campo de maneira justa e honesta. Espero que algum dia eu possa ser digno do perdão deles também, nessa vida todo mundo erra pelo menos uma vez.

Essa conquista em cima do ABC teve um gosto especial para o Boaventura?
Teve um sabor muito especial para mim. Até por que eu joguei no clube por dois anos, fui vice-campeão em 2012, e eles pensaram que o time deles era realmente o favorito, uma espécie de Barcelona do Nordeste e que jamais seria batido. Tinham ganho um jogo da gente, empatado o outro, havia o noticiário de que o ABC já tinha inclusive preparado a festa da conquista e isso tudo pesou na hora da decisão. O clássico é jogado, quando fomos para dentro de campo, nós jogadores americanos sabíamos que só quem poderia inverter aquela situação era o grupo mesmo, com trabalho, empenho e esforço. Quando fiz o gol, algum tempo mais tarde eu fui refletir: Deus é fiel e fez, mais uma vez, a soberba perecer diante do trabalho e do sacrifício, pois nós trabalhamos muito para conquistar esse título. Nunca se pode montar uma festa antes do jogo.

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