4 de dezembro de 2000. O novo milênio estava prestes a começar, e o Brasil tinha um fenômeno no topo do esporte mundial: Gustavo Kuerten.
O catarinense, então com 24 anos, venceu Andre Agassi por 3 sets a 0 na final da Masters Cup no dia 3 de dezembro, resultado que o colocaria como número 1 do mundo na segunda-feira seguinte, um patamar jamais imaginável ou atingido por algum outro brasileiro no ranking de simples.
“Foi incrível. Um parâmetro. Uma referência grande de que era possível. A gente sonhava em virar profissional, mas depois ele veio aqui e elevou pra outro patamar. Foi o ápice”, disse André Sá, ex-companheiro de Kuerten no time brasileiro da Copa Davis à época e atual número 42 do ranking de duplas.
“Para mim foi mais especial porque eu convivi com ele desde o primeiro torneio de duplas que nós ganhamos juntos, em Santiago, onde ele contava o dinheiro para pagar o jantar, até ser campeão em Roland Garros”, relembrou Fernando Meligeni, ex-tenista e atualmente comentarista e blogueiro dos canais ESPN.
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“Estava na torcida, mas não esperava. Era muita coisa e acabou acontecendo e dando certo. E ele ganhou na quadra que não era o forte dele. Foi uma coisa muito especial, muito legal, que a gente curtiu demais”, disse Thomaz Koch, ex-número 24 do ranking de simples da ATP, até então a maior referência no tênis masculino.
A “Guga mania” atingia seu auge. O Brasil passou a acompanhar tênis de uma forma inédita, o esporte passou a ser praticado pelos que desconheciam e as televisões ficavam rodeadas a cada participação de Kuerten nos torneios por onde jogava.
O Brasil tinha um ídolo no esporte, alguém carismático, como há muito tempo não se via. Talvez não fosse exagero comparar a “febre” de Guga com a de Ayrton Senna e Ronaldo no hall dos grandes fenômenos do esporte brasileiro.
“Eu pensei ‘agora viramos o vôlei, o futebol do país'”, disse Meligeni.
De fato, essa expectativa não se confirmou. A “Era Guga” se passou, e o Brasil não conseguiu ter uma geração que mantivesse o interesse do público em um patamar parecido.
“Com certeza o comércio aumentou muito entre 1997 e 2000. Diminuiu fortemente na sequência, depois tiveram os remanescentes. Até 2002, 2003 foi um movimento crescente, mas depois diminuiu”, explicou Jairo Garbi, dono de uma das maiores lojas de artigos esportivos para tênis do Brasil.
Mas se depois do fenômeno Guga o tênis não se tornou uma potência no Brasil ou o esporte se popularizou, a que, ou a quem, se deve isso?
“Uma palavra só? Incompetência. Incompetência de quem dirigiu o tênis. Com todo o respeito às pessoas que dirigiram o tênis. Se você tem uma empresa e a empresa quebra, o presidente pode dar nomes, mas quem manda é o presidente”, apontou Meligeni.
“No momento que você tem o Guga, ele era o cara mais importante do país. Você tinha resultado, tinha ídolo. Estrutura? Lógico que tem. Tem quadra de tênis para tudo quanto é lado. Tinha tudo. O que faltou? Gestão. Eu sou contra a gestão do tênis. Uma falta de gestão você cria um problema no país, mas não quebra. No tênis, você quebra. E foi o que aconteceu. Sorte que tinha o Guga, senão o tênis estaria muito mais em baixa”, completou.
Eu pensei ‘agora viramos o vôlei, o futebol do país’
Ainda no fim da “Era Guga”, em 2004, o presidente da CBT à época, Nelson Nastás, foi afastado do cargo sob a suspeita de cometer irregularidades financeiras em sua gestão. Um boicote dos tenistas, liderado por Kuerten, foi feito até que ele deixasse o comando da confederação.
“Quando o Nelson (Nastás) teve o Guga na mão, a primeira coisa que ele quis foi viajar o mundo e dizer que era o presidente que fez o número 1 do mundo. Ele não parou e planejou a oportunidade de transformar o esporte tênis. De repente ele tinha isso e não teve competência para fazer. É a mesma coisa do Jorge (Lacerda, atual presidente da CBT). É parar e falar ‘Eu tenho dinheiro. É só fazer uma gestão boa que eu transformo o tênis’. E é aí que eu sou bem falado”, comentou o “Fininho”.
“Minha briga não é pessoal, é olhar o que vai ser do tênis daqui quatro anos. A gente fica naquela, esperando que as pessoas venham e sejam o chamariz do tênis no Brasil. O Bellucci veio depois da gente. Ótimo. Só que hoje a gente tem um jogador 37 do mundo. O próximo é 140, o outro é 150. Isso é uma nova safra? É porque foi mal trabalhado? A gente não tem resposta”, completou o ex-número 25 do ranking.
Em contato com a reportagem, Nastás, que hoje em dia trabalha como promotor de torneios, se defendeu sobre as medidas que tentou fazer na época. “Foram feitas coisas, algumas sem sucesso, mas outras bem aplicadas para o desenvolvimento do tênis”.
“Houve ações em termos de abertura de calendário, vários estados que não tinham torneio começaram a ter. Em termos de centro de treinamento, houve várias tentativas, mas não havia patrocínio”, completou Nastás.
O ex-mandatário da CBT também comentou sobre a dificuldade da entidade obter patrocínios mesmo com o tênis em alta e que na gestão atual, com diversas fontes de renda, fica mais fácil ter resultados.
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