Na foto, Odilio Rodrigues, Neymar pai, Neymar Jr e Laor. Agora, o Santos, DIS e a família do atacante travam batalhas jurídicas
Documentos obtidos pelo UOL Esporte mostram que o Santos arquitetou plano de negociar Neymar para Barcelona e Real Madrid, em 2011, sem avisar a família do jogador e a DIS, empresa que detinha 40% de seus direitos. Conversas internas do alvinegro mostram também o estudo de manobras para evitar que a parceira recebesse o valor que de fato teria direito com a venda.
Os e-mails trocados entre a diretoria santista da época e membros do Comitê Gestor do clube mostram as alternativas possíveis para vender os direitos econômicos de Neymar com o objetivo de repassar o menor valor possível para a DIS.
A família de Neymar e a DIS não participaram da conversa durante toda troca de e-mails obtida pela reportagem do UOL Esporte, realizada entre diretoria santista e Comitê Gestor. Segundo Dis e o estafe de Neymar, eles só tiveram ciência do teor da conversa em 2016.
O conteúdo das conversas mostra que a abertura de negociação do Santos com Barcelona e Real aconteceu antes de o clube acusar a família de Neymar. Em 2013, o Santos alegou que Neymar negociou com o Barcelona sem autorização – o pai do jogador, então, apresentou uma carta autorizando as conversas, datada de 2011, assinada pelo ex-presidente Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro. O alvinegro, então, disse desconhecer a existência da carta. A documentação obtida mostra que a versão santista pode ser contrariada.
A reportagem teve acesso a versões anteriores da carta de autorização, elaboradas pelo Santos. Há ainda um e-mail de um escritório de advocacia santista enviando o documento à diretoria do clube, com cópia para outros membros do Comitê Gestor. Por fim, existe um e-mail expresso do então presidente do Barcelona Sandro Rosell falando do interesse e abrindo negociações.
As conversas entre cartolas do Santos por e-mails
Nas conversas de dirigentes santistas e membros do Comitê, é discutida a possibilidade de discriminar parte da venda de Neymar ao Real Madrid como “rescisão dos direitos de imagem”.
Como a DIS tinha 40% dos direitos econômicos, ela não levaria nada em relação ao encerramento do acordo pela imagem do jogador. Só o Santos embolsaria esse dinheiro. Apenas uma parte menor da negociação seria descrita como direitos econômicos. E a DIS só teria direito a uma parte do pagamento da multa rescisória referente a esses direitos.
“E se eles abaixarem o valor para 36 milhões de euros como multa e nos pagarem euros pela rescisão do contrato de imagem? Vamos propor este caminho?”, diz e-mail de 30.09.11 de José Berenguer, então membro do comitê de gestão santista, que se refere à manobra que faria a DIS receber menos.
“Como conversamos ao telefone, a posição é de que o Santos poderá ser indenizado de outras maneiras, como, por exemplo, em razão da perda do resultado econômico oriundo da parcela de 30% do direito de imagem do atleta, cedida ao clube pela empresa Neymar Esportes. Considerando os 48 meses de vigência do contrato, Olímpiadas e Copa do Mundo, deixaríamos de receber um valor bastante significativo cujo valor não cabe à DIS”, diz outra comunicação, do então diretor jurídico Luciano Moita, de agosto de 2011.
Uma assessoria jurídica havia sido contratada para analisar a viabilidade da operação sugerida – quem tratou do assunto foi o então advogado Gustavo Vieira de Oliveira, que prestava consultoria ao clube através de seu escritório e que anos depois viria a ocupar cargo na direção executiva do futebol do São Paulo. Ele avaliou que reduzir o valor da multa rescisória referente aos direitos econômicos poderia ser uma boa opção.
“Embora possa soar contraditória uma redução combinada da cláusula penal com consequente pagamento pelo clube contratante, esta pode ser uma alternativa de consenso, uma vez que na análise do Real Madrid reduz o risco de cobrança por parte da DIS”, diz trecho de comunicação enviada por Gustavo em outubro de 2011.
Outro e-mail, enviado do escritório LLMM advogados, que também prestava assessoria jurídica ao Santos, indica o interesse na divisão para gerar maior valor agregado à negociação: “De acordo com a ideia de trabalhar com os valores de uma eventual indenização pela quebra do contrato de imagem, que é excelente. Em paralelo, vamos estudar o contrato de cessão de direitos econômicos (à DIS) para ver se achamos alguma brecha para gerar maior valor agregado à negociação”.
A resistência do Real Madrid em aderir ao modelo proposto para driblar a empresa de Delcir Sonda é citada como obstáculo para a operação.
“Precisaremos contornar alguns entraves jurídicos com os espanhóis, e o principal deles, a meu juízo, será a formatação dos contratos, eis que eles insistem em não aceitar a bipartição das receitas em dois instrumentos – (i) federativos e (ii) imagem. Vamos insistir nesse modelo”, diz outra mensagem, também do departamento jurídico santista.
As negociações estiveram bem perto de ser concluídas: o UOL Esporte teve acesso a minutas detalhadas de contratos de transferência com ambos os clubes – com o Real Madrid chegou a ser elaborada uma versão final.
A venda de Neymar
Neymar foi negociado em definitivo para o Barcelona em 2013 por 17,1 milhões de euros. A DIS ficou com 6,84 milhões de euros. O Santos tinha 55% dos direitos (9,4 milhões de euros). A Teísa tinha 5% (855 mil euros).
Atualmente, o Santos acionou Neymar na Justiça e na Fifa pela ida do jogador ao Barcelona em 2013. Pelo mesmo motivo, a DIS move ações contra o clube paulista e a família de Neymar.
Pouco depois da apresentação oficial de Neymar, o Barcelona comunicou que a chegada do atacante à Espanha representou 57,1 milhões de euros ao clube espanhol. A empresa dos pais de Neymar recebeu 40 milhões de euros.
Ao UOL Esporte, o corpo jurídico da família Neymar comunica que esse valor se referia a um direito de preferência e uma indenização devidos pelo Barcelona à empresa do pai de Neymar. (confira a resposta abaixo no texto).
Defesa de Neymar diz que foi enganada pela diretoria do Santos e explica acerto com Barça
Ao UOL Esporte, a defesa da família de Neymar comunica que jamais foi informada sobre essas manobras arquitetadas pela diretoria do Santos. Os e-mails entre diretoria santista e Comitê comprovam que o Santos tinha conhecimento da negociação entre a família Neymar e o Barcelona, ao contrário do que dizia o então presidente, segundo o estafe de Neymar.
A defesa da família de Neymar anexará os documentos contendo as trocas de e-mails da diretoria e Comitê Gestor no processo na Espanha em que é acusado pela DIS de simulação negociação com o Barcelona, efetuada em 2013.
A defesa de Neymar informa que os 40 milhões de euros recebidos do Barcelona, através das empresas do pai do jogador, foram por direito de preferência e de uma indenização já que o atleta poderia receber mais como “free agent” (termo em inglês para designar o jogador que está sem vínculo com um clube). Neymar terminaria contrato com o Santos em julho de 2014, e, portanto, ficaria livre e com autonomia para negociar.
Para a Justiça e Fifa, o Santos e a DIS argumentam que esses 40 milhões seriam na verdade direitos econômicos. A posição santista atual diverge da adotada em 2011 – na ocasião, o clube defendeu a tese de que a indenização pela rescisão de seu contrato de imagem com a NR Sports (empresa do pai do jogador) não configuraria direitos econômicos e, logo, não destinaria nada à DIS.
“A imagem pertence à empresa NR Sports e possui natureza jurídica diversa do contrato de trabalho, esse sim vinculado ao contrato celebrado com a DIS”, diz e-mail do departamento jurídico santista em 2011
Santos culpa gestão de Laor
A atual diretoria do Santos informou à reportagem que esse assunto compete à gestão anterior e que, portanto, não tem como explicar as conversas sobre a transação de Neymar.
O ex-presidente do Santos, Odílio Rodrigues, não foi localizado pela reportagem.
Procurado pela reportagem, o então diretor jurídico Luciano Moita disse: “não tenho procuração para falar em nome dos meus companheiros que colaboraram com a gestão do Santos nos anos de 2010 e 2011. Na qualidade de Diretor Jurídico minha atuação era limitada aos aspetos jurídicos das negociações.”
“Especificamente em relação ao jogador Neymar, o Santos contratou na ocasião um escritório de advocacia especializado em direito esportivo para analisar os aspectos envolvidos em sua hipotética negociação com terceiros, o que acabou não acontecendo, como é público e notório”, afirmou Moita.
“Difícil, ainda, opinar sobre mensagens eletrônicas ou supostas mensagens eletrônicas datadas de 2011, as quais não tive total acesso e, por consequência, não consegui ver o seu conteúdo e o efetivo contexto ao qual a(s) mesma(s) se refere(m)”, finalizou Luciano Moita – o UOL Esporte explicou que a matéria trataria especificamente de tentativa de reduzir os valores a serem repassados a DIS e enviou fotografias de documentos.
Também procurado, Gustavo Vieira de Oliveira, contratado pelo Santos na época para consultoria jurídica, disse que não poderia comentar o assunto devido ao sigilo profissional entre advogados e clientes.
A reportagem não localizou José Berenguer, ex-integrante do Comitê Gestor, para comentar as conversas.
DIS lamenta as conversas
Procurada pela reportagem sobre o teor dos e-mails trocados pela diretoria do Santos da época, a DIS respondeu:
“A DIS lamenta saber que um time de tamanha grandeza como o Santos tenha procurado meios para fraudar e simular transações para que a parceira (DIS), que tanto colaborou com clube, seja prejudicada. Só temos a lamentar e esperar pela decisão judicial faça justiça”.
uol